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sábado, 31 de agosto de 2013

'O ensino não está pronto para receber superdotados', diz professor

Estimativa aponta que até 39 mil crianças sejam superdotadas no Paraná.Dessas, apenas 526 em idade escolar recebem acompanhamento.

 A Organização Mundial da Saúde estima que de 3% a 5% da população mundial pode ser chamada de “superdotados”. No Paraná, de acordo com a Secretaria de Educação (Seed), o número de alunos com essa condição, entre o 6º ano do ensino fundamental e o 3º ano do ensino médio, pode chegar a 39 mil pessoas.
Para o professor André Ribas, que há quase nove anos cuida da primeira sala de recursos destinada ao atendimento desses alunos no Paraná, um dos problemas que dificulta a identificação desses alunos está no próprio ensino. "A escola ainda é a mesma que eu frequentava há 20 anos, que meus pais frequentavam há 40. O ensino não está pronto para recebê-los”, acredita Ribas.
A preocupação dele é compartilhada pela Secretaria da Educação. Segundo a técnica pedagógica Denise Matos Lima, que trabalha no Departamento de Educação Especial e Inclusão Educacional, um dos motivos para o atendimento ainda não ter alcançado números maiores é a dificuldade de identificação dos alunos e a novidade que o atendimento diferenciado a eles representa na pedagogia. "As universidades ainda não formam os professores para identificar os alunos que possuem altas habilidades. Eles costumam receber formação justamente para o contrário, ajudar os alunos que têm dificuldades", diz.

Ribas diz que materiais usados com os alunos geralmente são doados (Foto: Samuel Nunes/G1)Ribas diz que materiais usados com os alunos geralmente são doados (Foto: Samuel Nunes/G1)
Descobrindo superdotados
O professor Ribas diz que um dos primeiros locais em que os alunos superdotados são identificados é dentro das próprias famílias. Ele explica que, para essas crianças, a fase dos "porquês" nunca passa. “Elas são mais curiosas e estão sempre questionando tudo e todos. Costumam chamar os professores de burros, às vezes não gostam de ir à escola, o que é óbvio, já que elas selecionam o que querem aprender. Quando algo não lhes interessa mais, passam para o próximo tópico”, conta.
Caso haja uma identificação das habilidades cognitivas do aluno, a criança é encaminhada para a sala de recursos. Dali, ela vai para uma avaliação com um psicólogo, que emite um laudo apontando os pontos em que a criança está acima da média e aqueles em que ainda precisa ter um acompanhamento melhor. “Nós também trabalhamos para deixar essa área [deficitária] o mais próximo possível da média dos demais alunos”, pontua Ribas.
Quando o laudo chega às mãos do professor que coordena a sala de recursos, é preciso encontrar formas de adaptar os materiais às habilidades que o aluno possui. Para isso, são usadas diversas ferramentas que variam desde jogos até projetos acadêmicos, em parceria com outras instituições de ensino e com a comunidade.
Atendimento
A sala comandada por Ribas funciona no Instituto de Educação do Paraná Erasmo Pilotto, emCuritiba. O projeto atualmente atende todo o público interno do colégio, mas em casos especiais acaba recebendo alunos de outras unidades de Curitiba. A escola possui alunos do 6º ano do ensino fundamental ao 3º ano do ensino médio.
Na sala, os alunos desenvolvem vários projetos que tentam se adaptar às necessidades e às curiosidades de conhecimento que os alunos possuem. Um deles, por exemplo, é uma oficina de robótica, que funciona em parceria com a Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR). Nela, três alunos do ensino médio tentam montar um pequeno robô para participar de uma competição. A iniciativa é patrocinada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Da mesma forma que aqueles que possuem dificuldades de aprendizagem, os alunos superdotados necessitam de acompanhamento diferenciado. No Instituto de Educação, a sala de recursos funciona no contraturno escolar.
O espaço, segundo Ribas, se adapta às necessidades de cada aluno. O professor pontua que a metodologia usada por ele contempla a superdotação pelas áreas de conhecimento. “Ninguém é bom em tudo. Ao todo, são 11 tipos de inteligência que a gente considera. Alguns são melhores em determinadas áreas, mas deficientes em outras”, diz o professor.
Gabriela Passos é uma das alunas atendidas no Instituto de Educação do Paraná, em Curitiba (Foto: Samuel Nunes/G1)Gabriela Passos é uma das alunas atendidas no Instituto de Educação do Paraná, em Curitiba (Foto: Samuel Nunes/G1)
Competição de robôs
Gabriela de Abraão Passos, de 15 anos, é uma das alunas que participam do projeto. Ela conta que procurou, por conta própria, há um ano, a sala de altas habilidades porque se interessou na ideia de aprender sobre computação. Antes de aprenderem robótica, os alunos passaram por outra oficina, de programação.
“Eu sempre tive curiosidade. Gosto de descobrir várias coisas e por isso acabei entrando no projeto”, diz Gabriela. A menina diz que sempre sentiu mais facilidade nas matérias de Química, Física e História. “São temas que eu gosto bastante”, conta. Segundo ela, os meses que passou aprendendo a programar já fizeram pensar em seguir a carreira como engenheira de computação.
Da parte da UTFPR, duas alunas do curso de engenharia de computação ministraram aulas ao grupo do Instituto de Educação. Kaya Sumire Abe e Bianca Alberton passaram os últimos meses explicando aos alunos o processo de construção de um robô.
Bianca diz que o grupo não teve o rendimento esperado na oficina e acha difícil que consigam montar o robô a tempo da competição, que deve ocorrer em cerca de um mês. “Acho que um dos motivos foi porque não conseguimos passar como se fazia a programação. Mesmo assim, o pessoal da faculdade de engenharia demora bastante a conseguir. Mas para o próximo ano acredito que eles já consigam montar um”, diz.
Teatro, jogos e outras atividades são usadas para incentivar as áreas de inteligência dos alunos (Foto: Samuel Nunes/G1)Teatro, jogos e outras atividades são usadas
para incentivar as áreas de inteligência dos alunos
(Foto: Samuel Nunes/G1)
Objetivos do atendimento
O sucesso ou fracasso no concurso de robôs, porém, não é o que move os objetivos da sala de recursos. De acordo com Ribas, o projeto visa ajudar os alunos com altas habilidades a se encontrar e a se relacionar melhor com os colegas. “Muitos deles chegam aqui e dizem ‘esse é um lugar em que vão me entender’”, conta o professor.
Segundo ele, a maior parte desses alunos é incompreendida pelos colegas e até por alguns professores, que os veem como pessoas problemáticas. “Ele [aluno] é incompreendido, porque a gente não tem paciência para ouvir”, diz.
É a situação de Gabriela, por exemplo. A menina diz que os conflitos com professores sempre foram constantes. "Às vezes, não concordo com o que eles dizem ou com a forma como ensinam", lembra.
Mitos dos superdotados
Um dos principais mitos em relação aos alunos superdotados é chamá-los de gênios. “Gênio é aquele que deixou alguma contribuição para a sociedade. Steve Jobs foi um gênio? Isso depende do ponto de vista. Do ponto de vista do design e do modo de se usar computadores, sim”, argumenta Ribas. Para ele, o conceito de “gênio” é relativo e depende do contexto em que se avalia cada caso.
Da mesma forma, os alunos superdotados nem sempre tiram as maiores notas em todas as matérias na escola. “Tem muitos superdotados que tiram zero e reprovam, seja por não gostarem da matéria, seja por pirraça ou até por dificuldade em entender aquele conteúdo”, diz.
Tem muitos superdotados que tiram zero e reprovam."
André Ribas, professor
'Altas habilidades' X 'superdotados'
Embora pareça pequena, existe uma diferença de significados entre os dois termos. Ribas explica que o conceito de aluno superdotado trabalha apenas com dois tipos de inteligência e privilegia a facilidade acadêmica das crianças. Dessa forma, pessoas que têm a possibilidade de se destacar em outras áreas, acabavam sendo excluídas do atendimento especial. "Um jogador de futebol pode um superdotado, mas isso não significa que ele seja bom na escola", pontua.
Segundo ele, o termo "altas habilidades" é o que mais tem aparecido entre as pessoas que estudam o tema atualmente. Esse conceito atua nas várias inteligências que as pessoas podem desenvolver. Assim, conforme o professor, é possível pensar em atividades que possam ampliar as habilidades cognitivas específicas de cada aluno, evitando, inclusive, que saiam da escola.
Outros locais de ensino
A Secretaria de Educação informou que as salas especiais de atendimento aos alunos superdotados estão disponíveis em 28 cidades do Paraná. Ao todo, 54 escolas oferecem o serviço. Denise Matos diz que o objetivo da Secretaria da Educação é expandir o projeto aos poucos, até chegar a outras cidades. "Nosso primeiro passo é formar um grupo de multiplicadores, que possam passar os conhecimentos nessa área a outros professores", diz.
Ela ainda revela ainda que a Secretaria da Educação e o Conselho Brasileiro para a Superdotação estão organizando um congresso internacional sobre o tema, que deve ocorrer em Foz do Iguaçu, em 2014. "A escolha da cidade foi justamente para ampliar a nossa atuação nas cidades da região. Nesses eventos, além de professores, sempre aparecem pais interessados no tema", conta.
Abaixo, você pode conferir a lista de cidades que disponibilizam a atenção especial. Nos núcleos regionais de educação é possível saber quais escolas estão aptas a receber os alunos que apresentam superdotação. De acordo com a Secretaria da Educação, nenhuma escola particular dispõe de atendimento especializado.

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